Permanecer. Estabilizar. Ficar. Verbos que nunca me foram muito familiares. Ainda não sabia caminhar e partíamos rumo a terras algarvias, numa carrinha, saboreando a brisa de Agosto, que entrava pelas janelas, despreocupada e inocentemente. Durante anos, esse foi o nosso destino. Com amigos, eu escavava e corria pelos longos areais, enfrentava o oceano, corria para os braços dos meus pais, acreditando que a infância era eterna. O dia do parque aquático, que decorria anualmente, era o meu favorito. Ainda hoje, de quando em vez, entramos no carro, aproveitando para revisitar o encanto da costa vicentina, para ir a um dos parques aquáticos do Algarve, sabendo que voltar àquelas filas intermináveis e escorregar empolgadamente nos leva a algo de muito nosso, a algo de sempre.
Mais tarde, quando as possibilidades económicas o permitiram, a carrinha deu lugar ao avião. Ainda recordo o meu entusiasmo por saber que enfim voava. Hoje, dispenso deslocações aéreas. A morte provocada por uma queda de avião angustia-me, mas na infância não pensamos no nosso fim. A infância é o tempo dos inícios. Apaixonei-me pelas cores quentes de Tenerife e da Tunísia.
Havia, porém, um destino que dominava o reino do meu imaginário: Paris. No final dos anos 80, o meu pai vivera na capital francesa. As suas histórias boémias (que metem encontros com o Serge Gainsbourg à mistura) fascinavam-me. Na primeira vez que conduzimos até ao Luxemburgo para visitar a família no Natal, visitámos a cidade. Como recordo a minha ânsia, quando me deparava com as sinalizações azuis, da auto-estrada francesa, anunciando Paris. Como o muçulmano que peregrina para Meca, eu sentia-me a chegar à terra sagrada.
Desde então, as viagens pela Europa e o Norte de África não pararam e ainda dei um salto a Nova Iorque – outro sonho. Falava há pouco das minhas férias de Verão, no Algarve. Dá ternura relembrar o meu cuidado em decorar as cores do guarda-sol e das cadeiras do grupo para poder dispersar e saber regressar. É assim que ainda hoje vivo a minha vida.
Sei de onde venho, sei de onde sou. Sei onde estou ancorada. Mas escapo-me, a toda a hora. Não sei como existir se tiver de testemunhar o meu país diariamente. O tédio avassala-me e a familiaridade põem-me de frente com a morte da minha criatividade. Em 2016, mudei-me para Londres para integrar a equipa editorial da Simon & Schuster; e em 2017, aluguei casa em Paris. Porquê? Porque não? Agora, encontro-me no Luxemburgo por uns meses. Assim como escavava o areal dourado em busca de um tesouro, que eu gostava de imaginar; hoje, com menos inocência e mais ansiedade, continuo a procurar as entranhas, na expectativa do que pode surgir, na esperança do que pode mudar.